CERTEZA

À Rainha Elizabeth II,
da Inglaterra,
com minha imensa
admiração!
A Autora

Ao Papa Francisco I,
da Igreja Católica Apostólica Romana,
com minha total reverência!
A Autora

CERTEZA

O universo aí está. Algo ou alguém o criou. A humanidade, ao dar-se conta da existência dele, deu-se logo ao trabalho de explicar sua origem e seu destino, bem como sua própria origem e destino nele. Alguns deram origem a uma entidade divina, denominada Deus, que, simplesmente nomeava tudo que desejava que existisse e tudo surgia; faça-se isso; faça-se aquilo; faça-se aquilo outro; e tudo se fazia.

Outros, porém, elaboraram uma explicação muito apreciada. Foi assim: havia uma substância pré-existente ao homem, ígnea, que se contorcia sobre si mesma e, contorcendo-se, ia se esfriando e dando origem ao que ia surgindo, as rochas, os metais, os vegetais, os animais e os homens. Esses mesmos homens, disseram que foram esclarecidos por entidades mediúnicas e por videntes que conheciam os fatos do passado, além de situarem a evolução da humanidade da seguinte forma: quatro eras se passaram; estamos vivendo a quinta, e a sexta e a sétima, que é a última, o final dos tempos, estão sendo vislumbrados.

A cosmogênese e a antropogênese continuam ocupando os estudiosos. Das citações elaboradas pelos antigos às notícias diárias sobre o avanço na comprovação da existência dos mais distantes espaços do infinito, as informações, sobre o universo vão-se acumulando a ponto de escaparem a uma possível formação didática que abarque todas elas. Desse modo, tal aprendizagem está sendo cada vez mais difícil de acoplar-se aos programas educativos, levando à necessidade de se criarem esquemas especiais de ensino conforme a capacidade dos alunos.

Infelizmente, a ignorância da humanidade é acachapante. A maioria dela encontra-se na infância (angustia, medo, raiva, farsa) sem nenhuma capacidade de desenvolver alguma praticidade, nem mesmo em termos do bem-viver uma paz ingênua. Uns poucos adolescentes se encastoam na querelância, agressividade, não conseguindo equacionar suas diferenças. Uns menos ainda se fazem pacificadores, incapazes de evoluir. Pouquíssimos se fazem adultos comunitários; menos ainda humanísticos; ainda menos cósmicos.

O problema da origem e do destino do mundo permanece insolúvel e constitui a inquietação máxima do espírito humano, manifestando-se nas mais variadas formas de ansiedade e de angústia. Dele se ocupam a teologia, a filosofia e a ciência, leituras diferentes que têm sido feitas da mesma realidade.

O saber teológico manifesta uma certa hierarquia que vai da teologia afirmativa natural, passando pela teologia afirmativa revelada, até a teologia negativa, mística.

A teologia afirmativa natural, um saber de Deus à base do conhecimento do mundo, originou o vedismo, o bramanismo, o taoísmo, o budismo e o confucionismo, base dos pensamentos socrático e platônico.

A teoria afirmativa revelada um conhecimento de Deus à base da fé nas revelações. A tentativa mais bem-sucedida de implantar o dogma revelado foi a do judaísmo. Seguiram-se o cristianismo, o islamismo e o espiritismo.

A teoria negativa, mística, ensina que pode o ser humano, além do sentimento de religiosidade, possuir uma capacidade de comunicar-se, direta e inenarravelmente, com o desconhecido, com a certeza, com a verdade absoluta. Destacaram-se: A teosofia (resumiu-a a mística russa Helena Petrovna Blavatsky na sua obra “Doutrina Secreta”). A mística cristã (com Santo Agostinho, Santa Catarina de Sena, Santa Tereza de Jesus e São João da Cruz). A mística espiritual que congrega toda a mística da humanidade e salienta os escritos de Pietro Ubaldi.

Segundo as teologias, restam ao ser humano cinco alternativas para o além-túmulo: a primeira, do materialismo, é a do nada; a segunda, do panteísmo, é a absorção no todo universal; a terceira, das Igrejas, é a da continuação da individualidade com sorte fixa; a quarta, do espiritismo é a da continuação da individualidade com possibilidade de progresso infinito; a quinta da teosofia, é a da evolução do todo no seio de Deus.

O saber filosófico manifesta uma oposição entre a filosofia racional, o saber sobre o ser humano e sobre o grupo humano à base da razão; a filosofia intuitiva, o saber sobre o ser humano e sobre o grupo humano à base da intuição; a filosofia fenomenológica, o saber sobre o ser humano e sobre o grupo humano à base da participação.

O pensamento antigo, paralelamente às estruturas da razão e aos voos da intuição, iniciou investidas de apreensão do fenômeno universo e do fenômeno ser humano no universo. O pensamento medieval ocupou-se da ampliação do conceito de mundo, com a abordagem intuitivo-religiosa do assunto. O pensamento moderno procurou lançar as bases da visão dialética racional-intuitiva do fenômeno eu-mundo, sujeito-objeto, O pensamento contemporâneo retomou a temática da visão fenomênica do universo.

Segundo as filosofias, duas têm sido as hipóteses a respeito da evolução do pensamento humano: uma, a de que cada geração tem sido representativa de uma determinada etapa evolutiva; outra, a de que a evolução se faz de maneira desordenada no tempo, podendo, mesmo, ocorrer que aquisições mais avançadas antecedam outras de menor expressão.

O saber científico manifesta a tradição científica sob a forma de teorias; perpetuou assim os conhecimentos adquiridos. A natureza do saber científico sobre o ser humano originou diferentes ramos da ciência, a biologia, a psicologia e a sociologia. A ciência do “bios” prepara o caminho para a ciência da “psique” e ambas preparam o caminho para a ciência do “socius”.

Registra-se uma oposição entre a ciência empírica, que parte do “bios”, a ciência eidética interpessoal, que parte da “psique”, e a ciência eidética multipersonal, que parte do “socius”. Com o desenvolvimento de todos os ramos especializados da ciência do soma, chegou-se à conclusão de que: o homem é um animal superior; o biológico contém as condições necessárias para a vida psíquica; o sistema nervoso e o endócrino produzem efeitos recíprocos extremamente complexos e se acham anatomofisiologicamente entrelaçados de modo quase inextricável.

A nova noção sobre o cérebro como elemento supervisor, também afetado pelas “instâncias inferiores”, e não como simples órgão de comando, modificou inteiramente o panorama, dando origem ao conceito de “integração” que, com Sherrington e Ilead, vem procurando mostrar a enorme complexidade do problema do conhecimento do corpo humano, do seu funcionamento e da sua preservação.

A ciência eidética interpessoal, psicologia, vacilou entre a concretização e a abstração. Essa dualidade se manifestava no exame objetivo dos fatos, com os empiristas, e no valor emprestado a introspecção pelos racionalistas. Levaram ambas, concretização e abstração, necessariamente à análise, que levou, de um lado, os conservadores e os funcionalistas, e, de outro, os estruturalistas, os associacionistas e os mecanicistas. As teorias da configuração e do campo psíquico representaram um passo da concretização em direção à abstração; a fenomenologia psicológica tem sido, fora de dúvida, um caminho no sentido inverso.

A ciência eidética multipersonal, sociologia, transformou a dualidade cartesiana em uma realidade triangular; a visão gestáltica do problema se modificou, enriquecida pela tomada de consciência de mais um estímulo, reestruturada na sua configuração. Não há natureza humana sem ambiente social. Todas as situações, ações e reações experimentadas pelo homem estão condicionadas, em larga margem, pela sociedade. O que parece ser resultado exclusivo da força criadora de um único indivíduo, é, sempre, a culminância de um número imenso de fatores sociais, combinados com as impulsões sociais.

Segundo as ciências o indivíduo se expressa, em cada momento da sua vida, em função do nível de integração dos seus componentes de temperamento (bioquímico) e de caráter (ético-social). A ciência do ser humano desenvolve-se na medida da evolução da biologia (o “soma”) e da ética (a “psique” e o “socius”). São construtos comuns do estudo do indivíduo e do grupo, a motivação, o controle e a organização.

A integração teológico-filosófico-científica é, ao mesmo tempo, integração de essência e existência (no absoluto infinito e no finito, na eternidade e na temporalidade), de conhecimento e de conhecimento ético do micro e do macro universo. Há um princípio uno, transformado em organismo e permanecendo uno, do qual organismos dele originados desenvolvem-se e ao qual retornam, permanente e incessantemente, segundo leis por ele estabelecidas.

Tal enquadramento dos meus conhecimentos acadêmicos e civilizatórios tem o objetivo de registrar meus posicionamentos influenciados pela minha existência como cidadã. Desse modo, posso abandonar minha memória desses fatos, sem deixar de ater explicitado, e dedicar-me a minha memória pessoal, a minha vida íntima, interior.

Minha primeira lembrança leva-me aos cinco anos de idade, quando fui tocada por meu tio e padrinho adulto, sem nenhuma aparência de problemas mentais, que me levou ao êxtase; na ocasião eu não sabia o nome da sensação, mas depois eu aprendi que se denominava orgasmo. O fato não se repetiu, pois ele, que estava de férias na casa da mãe, minha avó, e voltou para a cidade onde trabalhava. Essa experiência foi muito importante para mim; o orgasmo me deu uma sensação de felicidade antes desconhecida e abriu o caminho para a procura do mesmo, no futuro, que só ocorreu quando conheci uma amiga, quando eu tinha vinte anos, com quem convivi mais de dez anos.

Quando completei minha formação acadêmica e abri meu consultório, conclui que era muito difícil para mim continuar esse relacionamento, que não era bem visto na ocasião. Causei essa decepção à minha companheira, que muito sofreu, o que foi difícil para mim, porque era muito afeiçoada a ela.

No decorrer da minha existência ocorreu um fato muito importante. Conheci uma senhora que muito se afeiçoou a mim e me convidou para morar com ela, pois a mãe dela havia falecido e ela morava apenas com uma menina de onze anos, irmã de criação, à qual se dedicava, e dirigia uma obra social. Esta senhora era pessoa de excelente caráter, me adotou como a uma filha, cuidou do meu bem-estar, concedeu-me crédito social, e me infundiu um grande respeito e uma imensa afeição.

Morando lá, convivi com o irmão mais velho dela, casado, que morava em outra cidade. Muitos anos depois de conviver com ela e com toda a família, irmã, irmãos, sobrinhos, sobrinhos netos e sobrinhos bisnetos, apaixonei-me por ele e ele retribuiu. Nosso romance durou dez anos e quatro meses, quando ele adoeceu gravemente, teve que ir tratar-se no exterior e, quando voltou, precisou de cuidados permanentes de enfermagem. Quando se recuperou um pouco, ele veio me ver três vezes, sempre com enfermeira, até que não conseguiu mais vir.

Seis meses depois, atendi uma cliente que mudou o rumo da minha vida. Quando abri a porta para ela apaixonei-me perdidamente no mesmo instante. Dentro de mim eu disse “É você? Até que enfim chegou! ” Mas nada disse. Ela queixou-se do trabalho que lhe dava a sua filha, médica, por causa de um namoro com um rapaz mais velho que a filha e divorciado duas vezes. Seis sessões transcorreram nesse teor. Nesse interim, conclui meu diagnóstico e, no dia em que ia dizer a ela que ela precisava ser medicada, o que não estava ao meu alcance fazê-lo, ela me despediu, dizendo que resolvera passar uns dias numa praia com a filha para conseguir que ela se desinteressasse pelo namorado.

Livre do imbróglio, pois continuava perdidamente apaixonada, retomei minha vida. Em menos de dois meses, ela me telefonou marcando hora. Resolvi atendê-la, sem falar dos meus sentimentos, pretendendo indicá-la para um amigo e colega psiquiatra. Quando ela chegou, tomou a palavra e me contou um breve romance que teve com uma amiga, por volta dos dezesseis anos, e me disse que estava sentindo o mesmo por mim. Eu resolvi declarar os meus sentimentos e decidimos viver o nosso amor, em segredo, exigência dela.

No mesmo dia levei-a para conhecer o psiquiatra e assumi as despesas do tratamento dela, que, sabia eu, seria para todo o sempre. Muitos anos depois o psiquiatra encaminhou-a para uma psicóloga. Nesse interim eu já trabalhava na clínica e meu discípulo psiquiatra que já atendia pela minha técnica, assumiu o tratamento dela até que, muitos anos depois, ela demonstrou os primeiros sintomas de Alzheimer. Ela era viúva e tinha dois filhos, a médica, e um engenheiro, que se ofenderam com o diagnóstico e a proibiram de voltar ao psiquiatra.

A essa altura eu já havia assumido totalmente minha amiga; morávamos no mesmo prédio; ela não morava comigo, mas vinha me ver toda hora e tinha a chave do meu apartamento. Vivemos quarenta e um anos de muito amor, até que ela faleceu. A filha dela, embora eu a cobrisse de mimos, casa de campo, carros para ela e para o filho, e tudo mais que ela demonstrava desejar, ela nunca deixou de ameaçar tomar os dois apartamentos que eu dera a mãe dela em usufruto vitalício, com mais dois, perfazendo os quatro que eu destinara aos netos adotivos da minha amiga com quem morei muitos anos.

Alertada pela gerente do meu Banco, em face dos dizeres da filha da minha companheira, que havia me enviado uma missiva cartorial assinada também pelo irmão, alegando que eu não poderia dispor deles por causa da minha relação com a mãe dela, resolvi o caso dando os quatro apartamentos, em vida, aos quatro destinatários e aplicando minhas economias de forma intocável. Mantive o usufruto vitalício dos apartamentos dedicados à minha companheira e reservei um deles para usufruto meu. A filha da minha companheira nunca se conformou com não conseguir seus intentos.

Não me permito citar o diagnóstico da minha companheira, porque seria uma profanação. Ela era linda, elegante e culta, cantava e tocava piano e violão. Ainda por cima tinha belos olhos verdes. Uma amiga dela disse que ela era uma enciclopédia que eu nunca acabaria de ler; achei uma observação muito adequada. Conviver com ela levou-me a um constante estado de felicidade, entrecortado pelos momentos quase diários de um êxtase místico-sexual. Num ato de maldade extrema a filha trancou-a “ a sete chaves” no último ano de vida e impediu que a síndica me comunicasse o falecimento dela.

Do meu relacionamento com a mãe da minha companheira, minha memória traz à tona três episódios muito significativos: O primeiro deles ocorreu quando minha companheira me levou para a conhecer. Era uma senhora de fino trato, ao mesmo tempo altiva e de porte humilde, muito atenta a tudo. Em um momento em que ficamos a sós, ela disse; “Compreendo a afeição de vocês, mas sejam discretas”. Fiquei impressionada com a perspicácia dela, pois nada lhe fora comunicado. O segundo deles: já passado algum tempo, resolvi visitar minha companheira, mas ela não estava em casa. A mãe dela me recebeu, disse que ela não estava e me levou para a sala de televisão onde ela e os netos, ainda solteiros na ocasião, me convidaram para esperar pela mãe, que não iria demorar. Agradeci a atenção e disse que voltaria outra ora, e que não ficaria porque não era amante de futebol, que eles estavam assistindo. A mãe dela foi me levar até a porta e me disse, matreira e jocosamente: “Não sou amante, mas eu fico”. Fiquei impressionada com a rapidez de raciocínio dela e muito gratificada pelo tom que ela adotou, ao mesmo tempo confidencial e carinhoso. O terceiro foi quando, já desenganada, ela estava saindo, de maca, para o hospital com a filha. Ela tomou minha mão e a mão da minha companheira, uniu-as nas mãos dela, apertou-as ao peito e me olhou nos olhos como se a tivesse entregando aos meus cuidados.

Sempre nutri o maior respeito pela mãe da minha companheira. No final da vida dela não deixei que nada lhe faltasse, inclusive uma cuidadora que continuou a trabalhar com a minha companheira. Assumi todas as despesas dessa nobre senhora, inclusive hospital e túmulo que, no final, foi também o jazigo da minha amada.

Este excerto resume os dados sobre o meu viver acadêmico-profissional e afetivo-sexual. Desse modo pretendo oferecer um panorama da minha vida que embase tudo que eu quiser trazer à tona do meu mais imo. Nasci de pai e mãe altamente dotados de excelente caráter, ao nível adulto, maduro e base espiritual sólida. Eles eram católicos, ela Filha de Maria, ele Filho de São José e vicentino convicto, sem faltar aos deveres determinados pela Ordem Terceira, a qual ele pertencia e que proclamava a assistência aos pobres e aos prisioneiros, que ele exercia devotadamente.

Quando iam à Igreja, ela se engalanava com uma fita azul e uma medalha da Virgem Maria, e ele com uma fita vermelha com a medalha de São José e uma botoeira de São Vicente. Em certas solenidades ele usava também uma opa vermelha. Eles não alardeavam sua devoção e cumpriam todas as prescrições que lhes cabiam. Nasci nesse clima de religiosidade, a sexta filha, depois de cinco irmãos e a primeira filha de quatro mulheres. Todas com o nome de Maria. Os dois irmãos menores, infelizmente faleceram na infância.

Recebi o Batismo, a Primeira Comunhão e proclamei o Crisma, cumprindo os preceitos da Igreja desde sempre até os doze anos, quando então, movida pelo livre-arbítrio, decidi que não necessitava me confessar, pois não sentia em mim, nem em ninguém, o que se chama pecado, e considerei como irracionais os conceitos de castigo e de inferno. O que se chama pecado, nas igrejas, é a transgressão de uma lei ou princípio religioso. Já o erro é uma decisão, ato ou resposta incorreta. Assim sendo, o pecado, estabelecido pelas igrejas, é uma desobediência do fiel.

A intuição, o conhecimento direto, interior, que o indivíduo tem de si mesmo, passa, necessariamente pela ideia da existência de Deus. A natureza do saber teológico originou teologias afirmativas naturais, teologias afirmativas reveladas e, teologias negativas, místicas. O ser humano é depositário, no seu íntimo, da verdade toda que, por alguma razão, não se permite revelar a si mesmo. O que o ser humano tanto teme pode ser o mero desafio de viver plenamente cada instante, enfrentar a mutabilidade, a transitoriedade no eterno, o que o tornaria permanentemente unido a Deus.

Suportaria o ser humano viver plenamente durante todo o tempo, capaz de se tornar responsável por ser? A teologia, reflexão sistemática sobre o Absoluto enquanto relacionado ao nosso ser, busca a integração de essência e existência, de Absoluto infinito e de finito, de eternidade e de temporalidade. Por sua vez, a razão leva o ser humano a considerar que o Deus que o criou com os seus atributos não pode castigá-lo pelos erros com os quais Ele mesmo o criou. A intuição mostra ao ser humano que ele necessita crer em alguma explicação pela sua criação e pelo seu destino.

Além de necessitar religar-se à ideia da existência de Deus e de raciocinar sobre a impossibilidade de esse Deus que o criou castigá-lo por ser quem é, pode o ser humano, fenômeno que é, examinar seus raciocínios sobe três aspectos, quais sejam: o fato de ser o que parece ser, o oposto do que parece ser, o caminho para levar o que é. Desse modo consideramos os diferentes erros de raciocínio das religiões instituídas, a ignorância generalizada dos fiéis e a necessidade premente de os indivíduos evoluírem e constituírem diretrizes racional-intuitivo-fenomenológicas para o seu viver.

Simplesmente para noticiar mais um pouco sobre mim e sobre minha vida, quero registrar que conheci um bom naco do meu planeta. Para agradar minha companheira, visitamos quase todos os pontos turísticos da terra. Além do prazer, sempre crescente, da companhia dela, usufrui muito de nossas viagens. Fomos a todas as capitais e a todos os portos da Europa. Fomos, também, à África do Norte, do Sul e aos safaris do Centro. Fomos à América do Norte, do México ao Alaska, e também à do Sul.

Já tão retratada quanto possível, registro o meu pensar sobre o mistério do mundo. Tanto faz que uns creiam na massa ígnea informe, que tudo gerou com suas evoluções que causaram as temperaturas adequadas a tudo que surgiu, e que outros creiam, simplesmente, que Deus ordenou que tudo viesse a existir. Uma vez que as origens são suposições, pouco importa o que se pense sobre elas; o fato é que o universo aí está, e a humanidade nele habita, cheia de angústias, medos e raivas pela insegurança e pelos percalços em que vive.

Para manter uma mente equilibrada, o ser humano necessitou crer em um Ente Divino, Deus, que tudo teria criado e que está dirigindo. Desse modo ele atenuou sua solidão e se congregou com os outros seres humanos, criando sua religião. Outros grupos fizeram o mesmo, e foram surgindo as desavenças entre eles. Cada grupo queria congregar cada vez mais adeptos. Nesse afã, cada religião criou o seu códice, suas leis e seus costumes; não demorou que se criassem os conceitos de pecado e castigo.

Foi a “gota d’água”. As religiões tornaram-se escravagistas dos espíritos. Surgiu o cultivo dos pecados, transgressões das leis e dos princípios de cada religião, e das formas de castigar os transgressores. Não demorou a criação do Inferno, um local específico existente no outro mundo, de terríveis punições. As igrejas logo abraçaram as ideias de pecado e castigo para dominarem as mentes dos fiéis. Dante Alighieri escreveu A Divina Comédia, descrevendo poeticamente os meandros do Inferno e os seus ocupantes.

As religiões vinham capengando pelo mundo. Havia adoradores da natureza. Havia adoradores daqueles seres humanos que descreviam as revelações que Deus lhes fazia diretamente. Havia os que diziam místicos. Havia os que se diziam possuir a Doutrina Secreta, o conhecimento dos médiuns e dos videntes que descreviam o que lhes havia acontecido no início do universo e nas quatro eras iniciais da humanidade, afirmando que, depois do fim da nossa era e das sexta e sétima, virá o fim dos tempos.

A Igreja Católica Apostólica Romana, que ainda é a última chance de revelação da humanidade, também caiu no engodo do binômio crime e castigo, isto é, pecado e inferno, e deturpou a herança dos cristãos e a filosofia de Jesus. A salvação da humanidade é criação da Igreja Cristã Universal, que congregue todo os cristãos sob a égide da ética relatada nos dez mandamentos da Lei de Deus, de Moisés, e nas Bem-aventuranças de Jesus.

São os dez mandamentos da Lei de Deus:

1. Não terás outros-deuses diante de mim.

2. Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma do que está em cima dos céus, ou em baixo, sobre a terra ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto.

3. Não pronunciarás o nome de JAVÉ, teu Deus, em ação.

4. Lembra-te de sacrificar o dia de sábado.

5. Honra teu pai e tua mãe.

6. Não matarás.

7. Não cometerás adultério.

8. Não furtarás.

9. Não levantarás falso testemunho contra teu próximo.

10. Não cobiçarás a casa do teu próximo.

São as Bem-aventuranças de Jesus:

1. Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus!

2. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!

3. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!

4. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!

5. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!

6. Bem-aventurados os corações puros, porque verão a Deus!

7. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!

8. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus!

9. Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perceguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós!

Assim se põem as duas pérolas do saber da humanidade na Bíblia, conjunto de livros, que conta a história da sua infância no Antigo Testamento e da sua adolescência no Novo Testamento. A meu ver, não há tempo a perder, a ignorância reina há tempo demais. É mister que o Papa Francisco I, da Igreja Católica Apostólica Romana, renove o nome dela para Igreja Cristã Universal, seu verdadeiro e histórico nome, acabando com o uso abusivo deste título pelas congregações espalhadas pelo mundo, que nem sabem que destino tomar.

Outra medida urgente do Papa deve ser o pedido à Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, que desconsidere o Cisma proclamado pelo irresponsável e frívolo Rei Henrique VIII, com fins espúrios e pessoais, para casar-se seis vezes e mandar degolar duas de suas esposas. Desse modo, a Igreja Anglicana voltaria a filiar-se ao Papa, colaborando para a união de todos os cristãos com diretrizes sólidas, no caminho da verdade e do bem.

Já redigi três missivas ao Papa e três missivas à Rainha da Inglaterra, sem retorno. Espero que ambos se conscientizem da importância histórica do momento e não retardem as providências necessárias para a criação de uma religião única que festeje os princípios antigos da humanidade, os mandamentos da Lei de Deus, de Moisés, e as Bem-aventuranças de Jesus, o Ungido, Cristo. Uma religião única, ética e voltada para o bem, poderá ser um guia seguro para a evolução da humanidade.

Um outro problema da humanidade são os conceitos contraditórios que levam a querelas inúteis e sem fim, e que, no passado, levaram a incontáveis contendas.

Não pretendo ater-me aos incontáveis dilemas das religiões, mas, simplesmente citar um dos mais conhecidos e absurdos: o debate das igrejas católica e protestante sobre a virgindade de Maria, um dos mais polêmicos. Que importância tem para os fiéis que Maria tinha sido fecundada diretamente por Deus ou por José?

Há um princípio que deve reger a criação de uma única religião: a busca incessante da verdade, princípio de todo e qualquer saber. Uma importante questão é a crença na existência de um outro mundo, habitado por espíritos incorpóreos que continuam procurando evoluir. Exista ou não esse mundo, a evolução é um paradigma da humanidade, que pode resumir-se dessa forma: angústia, medo, raiva, farsa, praticidade, querelância, pacifismo, comunidade, humanismo e mística.

Completo em breve noventa e quatro anos; desde os dezoito, dedico-me à educação, cuja base é a formação do caráter. Minhas teses acadêmicas foram, pela ordem, sobre a infância, sobre a adolescência e sobre a adultez. Elaborei minha teoria e minha técnica sobre a evolução do ser humano e do grupo humano, as quais denominei psicoterapêuticas analítico-fenomenológico-existenciais, cujos atributos clarificaram os conceitos de tratamento do caráter com base em todos os meus conhecimentos e toda a minha vivência.

Minha observação, meus estudos e minhas pesquisas levaram-me a um relativo conhecimento da raça humana. Até os nove meses, a criança é, naturalmente, angustiada, pela sua incapacidade de satisfazer suas necessidades. Sua carência manifesta estados que vão do terror pânico, pelo abandono total, aos pródromos do medo. Ela pode necessitar de assistência medicamentosa ou, se recuperar se devidamente satisfeita na sua carência. À angústia vão-se acoplando todos os demais sentimentos.

Quando sua necessidade não é satisfeita no momento habitual, surge o medo de que ela não venha, que perdura até um ano e meio, podendo haver regressão à angústia e suas consequências. Quando a necessidade não é satisfeita em um prazo razoável, surge a raiva pela demora, predominante até os três anos, quando então a criança evolui para a farsa, podendo controlar o medo e a raiva fazendo-se perceber sem entrar nas crises anteriores, capacidade que perdura até os seis anos e que é um primeiro e importante movimento evolutivo.

A criança que consegue disfarçar o medo e a raiva assim se manifesta até os seis anos, quando então começa a desenvolver uma relativa sociabilidade que o leva a ser prático, desenvolvendo essa habilidade até os doze anos. Dos doze aos quinze anos, a querelância, ele passa a questionar todos os ensinamentos que lhe são ministrados e busca certezas em tudo que lhe vem à mente. Dos quinze aos dezoito anos, faz-se pacificador, busca o equilíbrio de suas emoções e a criação de um clima de paz.

Até esse ponto podemos situar a humanidade da seguinte forma. A angústia, em geral é logo assistida, a não ser em situação de extrema pobreza. O medo e a raiva são alimentados no lar, na escola, nos ensinamentos religiosos, em toda parte. Tal é o nível em que se encontra a humanidade, temerosa e enraivecida, joguete dos querelantes, que fazem dela o que se chama “bucha de canhão”. Tal é o estado da humanidade, os medrosos e enraivecidos formam o contingente das tertúlias.

Vivemos atualmente a tremenda realidade da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, resquício da prebenda entre comunistas e nazistas e fascistas, que está levando a humanidade à desgraça. Não se trata apenas de uma querelância de um lado, e medrosos e enraivecidos de outro. Trata-se de uma luta entre comunistas sociopatas em grupo e um país que quer pertencer ao grupo de países civilizados que luta para civilizar o mundo, buscando evoluir, tolerando o comunismo civilizado, nacionalista.

Há uma realidade concreta, histórica e socialmente determinada, que se acha em constante processo de mudança. Cada época permite surgir as ideias e os valores em que se acham contidas, de forma condensada, as tendências não realizadas que representam as necessidades de tal época, sua utopia. As mudanças na configuração da mentalidade utópica apresentam estágios: o quiliásmico, o liberal-humanitário, o conservador, o socialista-comunista.

O quiliasma, unindo suas forças às demandas ativas dos estratos oprimidos da sociedade, no século XVI, determinou a mudança decisiva na história moderna, dando origem à política, participação mais ou menos consciente de todos os estratos da sociedade na consecução de alguma finalidade mundana.

A ideia liberal-humanitária também surgiu do conflito com a ordem existente, uma ideia cuja função consiste em proceder como um mero dispositivo regulador dos negócios mundanos.

A ideia conservadora fornece um controle prático do ambiente, como se fosse a ordem adequada do mundo; a ser aceita de antemão e sem apresentar nenhum problema.

Já a utopia socialista-comunista representa, ao mesmo tempo, um compromisso e uma nova criação, baseada em uma síntese interna das várias formas de utopia; rejeitando o imediatismo, seja conformista, seja quiliásmico, aguarda a derrocada da cultura capitalista para glorificar os aspectos materiais da existência.

Uma figura ímpar, Jesus, o Ungido, Cristo, considerado o mais bem-dotado dos seres humanos, revelou todos os caminhos para a evolução do espírito e para uma vida comunitária. Delineou todas as diretrizes que permanecem presentes na teoria comunista atual. Dentre todas as teorias políticas existentes, a comunista continua superando todas as demais na sua estrutura e na conjunção da ética com os valores e costumes morais, em plena floração civilizatória.

Sua prática, no entanto, tem sido um estrondoso fracasso. No que há nela de belo e portentoso, sua prática tudo desmentiu, por meio do exercício da força nos países em que foi adotada, com o objetivo de obrigar seus adeptos aos preceitos preestabelecidos sem nenhum conhecimento de seus valores básicos e sem nenhum princípio verdadeiramente civilizatório. Este fracasso, que predomina até hoje, vem do desconhecimento por parte de seus dirigentes, das ciências eidéticas interpessoal e multipersonal.

A ciência eidética interpessoal, psicologia, descreve a evolução de cada ser humano e a forma de como o tratar para que não sucumba a cristalizações menores, comuns na infância e na adolescência, que impedem o surgimento da maturidade. A ciência eidética multipersonal, sociologia, descreve a evolução de cada grupo, nas fases de dependência, de luta e fuga, e de aparelhamento, esta última exigindo um grau elevado de tratamento do grupo a fim de garantir sua maturidade. O conhecimento da psicologia e da sociologia é, pois, fundamental.

Para exercer a prática da política comunista, os dirigentes dos negócios públicos de toda natureza necessitam ter adquirido a maturidade plena, que se dá entre os trinta e sessenta anos, coroando a fase comunitária, que estabelece a profissão e a família, e apontando para a fase cósmica, mística, que coroa toda a evolução do indivíduo, que o prepara no sentido da comunhão com o mistério do mundo. Tal evolução é de se esperar não só dos dirigentes, mas de todos os adultos na faixa dos trinta aos sessenta anos.

Assim estabelecidos os critérios de validade para os indivíduos e para os grupos, a fim de vivenciarem os valores positivos de ordem e progresso, num sentimento cristão de igualdade, fraternidade e liberdade, podemos passar a tratar o tema básico em questão, que é o da existência do espírito, da sua sobrevivência à morte do corpo e da existência de um outro mundo, com características e diretrizes próprias destinadas à eternização dos indivíduos.

A sensação de todo indivíduo de que seu corpo contém algo indizível e incognoscível, segue-se o sentimento de que esse algo é imortal, eterno. Nosso corpo se move e se direciona conforme a nossa vontade, que localizamos na nossa mente, situada no nosso cérebro. Assim como é impossível negar a existência de Deus, é impossível negar a existência do espírito. A nossa memória dirime qualquer dúvida a respeito da existência do nosso espírito e da consciência etérea dele.

Uma vez que já foram esclarecidas as etapas evolutivas do ser humano e do grupo humano, necessário se faz esclarecer que o espírito de cada indivíduo que se manifesta também em grupo, no seu aparelhamento, acompanha, “pari-passu”, a evolução do corpo e a morte dele supera, lançando-se no outro mundo, onde, segundo o espiritismo, prossegue na busca incessante de encontrar os pródomos do viver em Deus e do viver para Deus, eternamente.

Uma religião, para merecer os atributos de cristã e de universal, necessita afirmar a crença em Deus e na vida eterna do espírito. Nada impede que todas as religiões se associem sob tais definições com o intento de unificar as necessidades espirituais de todos os indivíduos. No entanto nenhum sistema político favorece a sua divulgação. Além do fracasso do comunismo na sua prática, a própria democracia deixa de ser um sistema, por definição, aberto, comum a todos, e passa a ser um tipo de propriedade.

Na história da política, a histeria tomou conta da humanidade. Para quem é militante e faz da política sua vida, isso pode fazer algum sentido, mas, para a maioria das pessoas, é apenas um sinal de perda de autonomia pessoal, além de perda de civilidade. Na solução para este estado de coisas pode-se incluir o cultivo de alguma dose de dúvida sobre si mesmo, considerando que pode estar enganado em suas escolhas políticas e religiosas. Se eu tivesse a certeza de dominar a verdade, correria o risco de querer me tornar profeta ou me imolar, como Gandhi.

O radicalismo político diz que um candidato representa o bem e, outro, o mal; que um representa a civilização e outro a barbárie; que um quer paz, e outro, a guerra; que um vive o ódio, e o outro, o amor. No entanto, o imperialismo secular do Japão, o nazismo da Alemanha, e o fascismo da Itália continuam dormitando por toda parte, podendo acender seu pavio a qualquer momento, desculpando-se como defensores do país e do mundo; os delirantes continuarão delirantes; não há o que fazer; é da sua natureza imaginar sempre que alguém trama contra eles e que precisam se defender.

Num efetivo ato de fé em que tenha colimado meu objetivo, abandonei todas as elucubrações a respeito de problemas insolúveis tais como o da origem e do destino do universo e dos seres humanos que nele habitam. Ative-me, apenas, aos fenômenos observáveis, aqueles que a ciência já pesquisou tais como eles e nos apresentam.

Pela mesma razão, abandonei todas as especulações da humanidade sobre a ideia da existência de um Deus que teria criado as criaturas para depois castigá-las e condená-las a um utópico inferno pelas imperfeições por Ele mesmo criadas, e que teria mandado seu filho único salvar as criaturas e permitido que elas o martirizassem e crucificassem.

O conhecimento humano tal como a história o registra, não oferece nenhuma teoria consistente, nenhum sistema dedutivo ao qual certas consequências observáveis se seguissem do conjunto dos fatos observados. Não se observa nenhuma conclusão consequente de princípios postos que junte algo a um saber inicial.

Os princípios básicos que preexistem a qualquer teoria e que são o de identidade, o de contradição, o de causalidade e o de finalidade, não são explicitados em nenhuma exposição do pensamento humano. Nem mesmo um fundamento, um princípio que pudesse abarcar todos os princípios particulares se faz notar, seja real, seja material, da ideia de causa, origem, seja lógico, formal, da ideia de razão.

Nota-se a falta de uma taxinomia, de uma ordenação e classificação adequada dos termos utilizados pelos diferentes pensadores, uma metalinguagem. Há o universo, o cenário onde transitaram e transitam os pensadores. Há a natureza, manifestação do universo no nosso planeta. Há a realidade, fonte do material sobre o qual trabalha a percepção, que permite o pensamento. O pensamento é o gerador da ideia, que permite o conhecimento. O conhecimento decorre da razão, da intuição e da participação e consiste na apreensão cada vez mais perfeita do mundo real. A liberdade interior permite a conquista da felicidade. A cultura é o corpo vivo de uma ideia. A ética é a arte de viver feliz.

O universo é o cenário onde transita o pensador, a personagem que busca os conhecimentos é a integração de todos eles. Há as religiões, que pontificam a simetria entre o espírito individual e o mundo dos objetos, a necessidade da existência de Deus e da religação com a origem e a ideia de um princípio uno, o universo. Há as ciências, que pontificam a universalidade da matéria, a integração entre temperamento e caráter e a transformação do indivíduo em pessoa. Há as filosofias, que pontificam a universalidade do espírito, a certeza de que a existência ultrapassa a ciência e o caráter irracional do mundo.

A virtude pode ser aprendida, desde de que os governantes, os educadores e os pais, na humanidade, todos com trinta anos e mais, tenham desenvolvido um caráter humanístico, com vistas ao cósmico e místico, a fim de que um processo educativo global erradique as noções absurdas das ideias dominantes, dos preconceitos negativistas, principalmente o da existência de um Deus vingativo e cruel que castigue as próprias criaturas às quais concedeu a vida e a capacidade de errar.

A história da humanidade, que, no Antigo Testamento, registra a sua infância, e, no Novo Testamento, registra a sua adolescência, está a exigir a leitura do Novíssimo Testamento como convite à vivência da adultez e do registro dela. Num efetivo ato de fé em que haja um Criador, Deus, esperança de estar interpretando corretamente a destinação que ele em mim imprimiu, e caridade para com aqueles que ainda não têm o consolo desta fé e desta esperança, alimento a aspiração de toda a minha vida, que é a de colaborar para a evolução da humanidade.

Para colimar o meu objetivo, considerei fundamental realizar uma exegese, interpretação do texto bíblico, exegese essa necessariamente hermenêutica, baseada nas leis exaradas no pensamento filosófico e na contribuição das ciências empírica, biologia, e eidéticas interpessoal, psicologia, e multipersonal, sociologia. Tal exegese levou-me à confirmação de que a história do povo judeu é extremamente significativa para a humanidade.

Filosoficamente falando, o povo judeu viveu e vive, na sua maioria, na infância, com alguns arroubos de adolescência, e é responsável pelo fato de grande parte da humanidade sofrer tal emperramento evolutivo. Cientificamente falando, tal emperramento não se justifica, pois, a evolução de cada indivíduo independe das crenças divulgadas, e a evolução de cada grupo constituído de indivíduos evoluídos, obviamente, é, também independente delas.

Procurando compreender a razão do emperramento da evolução da humanidade, deparei com o fato de que o verdadeiro obstáculo à evolução, quer do indivíduo, quer do grupo, são os motivos ocultos subjacentes às decisões individuais e coletivas, que impedem a escolha do verdadeiro, do bom, do belo e do santo. Tal obstáculo tem levado o ser humano e o grupo humano a uma série de equívocos que constituem a maior fonte da sua temática habitual, da mais burlesca comédia à mais dramática tragédia.

O maior obstáculo para o desenvolvimento do indivíduo e do grupo é, pois, a falta de autoconhecimento, que os fixa na comunicação ao nível consumatório inferior, aquela que só se ocupa do bem-estar individual. Pude, então, verificar que os indivíduos não superam os obstáculos para a sua evolução por que não exercem o livre pensar, que lhes é inerente, e não assumem a responsabilidade de escolher.

Na expectativa de compreender porque o indivíduo não exerce o livre pensar, deparei com o medo de um Deus cruel e vingativo, que perpassa toda a história bíblica, exacerbado pela crença no pecado, no castigo e no inferno, fazendo com que a humanidade tenha vivido e continue vivendo um arremedo de religiosidade. Verifiquei que a maioria dos indivíduos cronologicamente adultos, apesar de contar com o aparato organo-psíquico próprio dessa fase, vive na ignorância.

Desconhecendo suas prerrogativas, o indivíduo se entrega a um viver acanhado, quer submisso, quer revoltado. Constatei que os dirigentes, sejam políticos, sejam religiosos, encontram-se à margem do progresso filosófico, científico e técnico, o que os leva ao descrédito dos seus dirigentes. Com o objetivo de operacionalizar o aprendizado da passagem do indivíduo para a adultez responsável, elaborei uma técnica que permite que ele exerça o livre pensar.

Uma vez que a escolha é o ato definitivo do indivíduo, que vai garantir sua sobrevivência quando os atos reflexivos, instintivos e impulsivos não bastarem para esse fim, deparo com a necessidade de compreender a consciência, esse fenômeno anímico filogeneticamente tardio e que, ontogeneticamente, no indivíduo, surge a partir de um instinto obscuro e conquista o espaço habitável.

Constatando que as escolhas dos indivíduos dependem do seu aparato organo-psíquico, que varia em cada etapa evolutiva, pude observar que a consciência, na infância, não sendo reflexiva, só responde ao condicionamento para as escolhas corretas para o seu bem-estar, sem prejudicar os ambientes. Na adolescência, só se pode contar com uma consciência conturbada, inicialmente querelante e, depois, pacífica. Só na adultez vai ocorrer a escolha consciente.

A experiência mística é o meio definitivo para a obtenção do êxtase, a meta natural da existência humana, o efetivo viver, a ocorrência que vai permitir ao ser humano viver a eternidade na temporalidade. O ser humano, organismo partícipe do Organismo, tem dentro de si a verdade toda, que deve trazer à razão, com coragem de ser, e buscar a religação com Deus, que pode efetivar-se, no plano concreto-material, por meio do sexo e da homeostase, e, no plano espiritual, por meio da comunhão com o mistério do mundo.

A experiência mística, o meio definitivo para a obtenção do êxtase, tem no ato sexual uma via de acesso eficaz, mas não necessária; cada indivíduo em particular, e a humanidade no seu todo, além de viver o sexo com liberdade e responsabilidade deve buscar também a experiência mística, que pode ser aprendida e, pela frequência, tornar habitual o viver a eternidade na temporalidade, a vida extática, a antecipação, pelo amor humano, do Amor Definitivo, do Criador!

O universo, o campo total, conhecido e cognoscível, onde transita a humanidade desde tempos imemoráveis, se faz presente no campo vivencial particular de cada indivíduo, que apresenta características próprias em cada fase do seu viver. A cultura do nosso povo registrou suas angústias, seus medos, suas revoltas, suas farsas e uma fraca tentativa de praticidade; registrou, também, sua adolescência, em um primeiro momento belicosa e, em um segundo, pacifista.

Nenhum esforço, até o presente momento, havia sido feito no sentido do registro da adultez da humanidade. Em tal cenário com tal enredo, atuam tais personalidades sujeitas a tais empecilhos no sentido de tentar evoluir, sem muito sucesso! A superação deles fica na dependência do autoconhecimento, da passagem da ignorância para a sabedoria, que permite a obtenção dos meios para a vivência, a experiência e o êxtase místico, a meta natural da humanidade.

Até o presente momento procurei elaborar o meu perfil, para dar estofo e credibilidade ao meu dizer. Eu sou; eu sou com….; eu sou com…. para…. Toda a minha vida dediquei à minha própria educação e à educação daqueles que me buscavam para esse fim, alunos, clientes. Não me lembro de ter vivido medo e raiva, muito menos farsa. Quanto ao medo, lembro-me de um episódio que ocorria sempre que algum circo era armado no largo da Igreja da Nossa Senhora da Boa Morte, onde armavam, também, parques.

Na rua de traz de nossas casas, larga e desabitada, havia um declive que dava para um enorme descampado com aclive que ia até o centro da cidade, na rua ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, em cujo terreno havia um cemitério, que não é do meu tempo. Os elefantes ficavam soltos no descampado e as feras, leões e tigres, ficavam em jaulas acomodadas na rua. Os urros das feras bem perto do nosso quintal, nos assustava durante as madrugadas, principalmente. Haviam também cavalos, macacos, cachorros…

Nas ocasiões em que os circos surgiam, os gatos da vizinhança sumiam; supunha-se que eles faziam parte do cardápio das feras. Tínhamos um gatinho branco com manchas pretas, chamado Ibis, não sei porque; meus irmãos mais velhos cobriam-no de mimos e os demais membros da casa, meu pai, minha mãe, minhas irmãs menores e eu o desconhecíamos. Minha mãe não o deixava passar da cozinha, onde ele vinha, invariavelmente, às horas das refeições. Meu pai enxotava-o quando ele se dava ao luxo de sentar-se em baixo da gaiola de seus canários belgas de estimação. Nos dias de circo na cidade, ele era preso no porão.

Outro acontecimento que afetou minha infância: Minha tia e madrinha e eu voltávamos da Igreja da Nossa Senhora da Piedade, depois da Reza onde eu, vestida de Virgem, com farto vestido comprido até os pés, por que tinha coroado Nossa Senhora e cantado no Coro, fomos alertadas por um amigo dela de que ele e um amigo, ele armado com um rifle, estavam caçando um cão policial que passara por nós, roçando no meu vestido, com todos os sintomas de hidrófobo. Escapei por pouco. Apertamos o passo para casa. O cão havia continuado célere na mesma rua, o que já era um sintoma da doença. Em minha cidade não era raro surgirem cães com essa doença. Eu passei a ter pavor de cães.

Esta rua se chamava Rua da Baronesa, diziam que por causa de uma senhora que tinha um pequeno castelo naquele descampado, em tempos idos. Outros diziam que ali fora um lupanar de certo luxo. Nada disso é do meu tempo. Quando não havia circo, aquela rua era ponto de encontro para a meninada e suas babás, e serviam para as mais variadas brincadeiras, sem passantes para nos incomodar. Não me lembro bem, mas, como lá não passavam carros, não sei se eles já existiam.

A rua da frente servia para as brincadeiras à noite, à luz da lua e das casas, com nossas famílias às portas e às janelas para nos apreciarem. A rua se chamava Rua Silva Jardim e minha casa era de número 84. Meu pai nos contou, com muita reverência, que o literato cujo nome foi dado à rua havia caído no vulcão Vesúvio, quando de um périplo; outra versão dizia que fora sido suicídio. Sempre admiradora de literatura, eu me sentia muito honrada em residir numa rua com nome de uma pessoa tão famosa.

Minha vida correu sempre sem atropelos, a não ser pelo receio de minha mãe de que a minha professora de francês, a quem eu amava apaixonadamente desde os doze anos, me “pervertesse”, preocupação essa descabida e absurda, pois ela nem notava a minha paixão, que, sexual sim, nunca teve chance se ser, sequer, demonstrada. Aos meus dezesseis anos, minha mãe radicalizou: disse que, se eu beijasse minha professora, ela não queria que eu a beijasse mais.

Tive receio de que minha mãe estivesse manifestando algum problema mental, comum em vários dos irmãos e irmãs dela, mas nada nesse sentido ocorreu, a não ser comigo. Ela ficou muito feliz quando vim para a capital para cumprir minha formação acadêmica. Apesar de hemiplégica, em função de um derrame como se dizia então, providenciou um farto enxoval para que nada me faltasse. Ela aprendeu a escrever com a mão esquerda e éramos assíduas nas correspondências, e, todo fim de semana, eu ia vê-la.

Quando fui chamada, em meados de junho de 1950, porque ela havia sido desenganada, ela me recebeu com muita alegria, me beijou e me abraçou, e lamentou que eu tivesse cortado o cabelo, e perguntou “Onde estão os meus cachinhos? ”, que ela cultivava desde a minha infância. Expliquei que os estudos e o trabalho não me davam ânimo para escovar e prender os cabelos toda noite. Ela aceitou de bom grado minha explicação e disse que eu estava muito bonita assim mesmo. Foram dias de muito amor, até que, ela já inconsciente, foram desligados os aparelhos, pois foi constatado o seu fim.

Minha mãe faleceu em pleno solstício de inverno, no dia 21 de junho de 1950, ao meio-dia, ao badalar de nosso pequeno carrilhão de parede de corda de vinte e quatro horas. Meu pai sobreviveu a minha mãe, durante vinte e cinco anos e três meses; faleceu no dia 11 de setembro de 1975. Nossa afeição era tranquila e certa. Lembro-me de apenas uma vez em que ele me negou usar salto alto por que achava que, aos quinze anos, era ainda muito cedo; como fiquei muito decepcionada, ele cedeu, como sempre, ao meu desejo.

Chegou, enfim, a hora de eu me definir sobre minhas crenças. Sempre achei necessário crer em um Criador (Creador, para os puristas), que tudo fez e tudo dirige, embora saiba eu que tal afirmação é minha, sem nenhum respaldo em qualquer realidade. Levanto, também, hipótese sobre o destino do meu espírito desencarnado; ou ele continua seu périplo nos páramos do além, na busca das Bodas Místicas com o Criador, ou, simplesmente, se esvai na energia vital do nosso planeta, em direção ao nada. Amém! Assim seja!

Maria Auxiliadora de Souza Brasil

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